Quando Tércio Borlenghi Neto, cofundador da Ambipar Ambiental S.A., decidiu entrar com recuperação judicial simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos, investidores e credores ficaram atônitos. O pedido foi protocolado na 3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro em 20 de outubro de 2025 e, ao mesmo tempo, a subsidiária Ambipar Emergency Response, sediada nas Ilhas Cayman, acatou o Chapter 11Texas. A medida surge após a descoberta de irregularidades em contratos de swap e a renúncia abrupta do antigo diretor financeiro, João de Arruda, no fim de setembro.
Fundada no início dos anos 2000, a Ambipar cresceu quase exclusivamente por aquisições. Segundo dados da empresa, entre 2015 e 2022 foram mais de 70 compras, incluindo a norte‑americana Witt O'Brien's por US$ 161,5 milhões em 2022, a britânica Enviroclear e a chilena Suatrans. Essa estratégia, defendida pelo parceiro de negócios Nelson Tanure, da gestora Tanure, visava transformar a Ambipar na maior operadora latino‑americana de gestão de resíduos e resposta a emergências.
Entretanto, a expansão veloz trouxe desafios de integração e um perfil de caixa cada vez mais fragilizado. Em junho de 2025 o balanço mostrava dívida superior a R$ 11 bilhões, e a volatilidade cambial começou a pesar no resultado, já que grande parte das receitas era em reais enquanto as dívidas externas eram em dólares.
A faísca que desencadeou a crise foi a performance dos green bonds emitidos em dólar pelo Deutsche Bank. Os títulos, destinados a financiar projetos sustentáveis, perderam valor em setembro de 2025. Para proteger-se da variação cambial, a Ambipar havia contratado um swap que transformava a dívida em dólares em obrigação em reais, mas o contrato continha um aditivo que vinculava a garantia ao preço dos próprios títulos.
Quando o preço dos green bonds despencou, o banco exigiu o aporte de garantias adicionais – um movimento que poderia gerar um efeito dominó, já que quase todos os demais contratos financeiros da companhia carregavam cláusulas de vencimento cruzado. Em números, a exposição potencial chegou a R$ 10 bilhões.
Além do swap, a diretoria financeira teria firmado operações sem a devida supervisão, segundo o relatório interno que motivou o pedido de recuperação. A saída de João de Arruda deixou um vácuo de controle interno que, na visão da empresa, agravou a situação.
Nas primeiras horas após o anúncio, as ações da Ambipar (ticker AMBP3) caíram quase 14 % na B3, ampliando a baixa para mais de 20 % nas negociações posteriores, ficando abaixo de cinquenta centavos. Em setembro de 2025, as ações já haviam despencado mais de 95 % em relação ao pico, reduzindo a capitalização a menos de US$ 30 milhões.
Credores importantes, entre eles o Deutsche Bank, iniciaram processos de execução de garantias e vêm acompanhando de perto o plano de reestruturação apresentado na corte.
Max Mustrangi, CEO da Excellance e especialista em reestruturação corporativa, descreveu a trajetória da Ambipar como "um crescimento desenfreado em um setor de margens muito baixas". Segundo ele, “40 aquisições em menos de cinco anos sem atenção ao caixa é um convite ao desastre”.
Outros analistas apontam que a estratégia de financiamento via green bonds, embora pareça alinhada a uma imagem de sustentabilidade, acabou expondo a empresa a riscos de mercado que não foram adequadamente mitigados.
O plano de recuperação judicial apresentado prevê a reorganização da dívida em prazos de até 10 anos, com possibilidade de conversão de parte dos créditos em participação acionária. A proposta ainda precisa ser aprovada pelos credores e homologada pelo juiz da 3ª Vara Empresarial.
Enquanto isso, a Ambipar assegura que “as operações continuam normais, mantendo milhares de empregos diretos e indiretos”. O grupo também pretende vender ativos não‑core para melhorar a liquidez, embora ainda não tenha divulgado quais unidades serão desinvestidas.
A crise reacende o debate sobre governança corporativa no Brasil. O caso Ambipar demonstra como a falta de controles internos robustos pode transformar um portfólio de aquisições em uma bola de neve de dívidas. A renúncia repentina de João de Arruda evidencia a vulnerabilidade de estruturas muito dependentes de um único executivo para decisões financeiras críticas.
Especialistas sugerem que, no futuro, empresas que operam em setores de alta complexidade regulatória e com exposição cambial devem fortalecer seus comitês de auditoria e adotar políticas de gestão de risco mais rigorosas.
A empresa declarou que manterá suas operações normais, o que inclui milhares de postos de trabalho diretos e indiretos. Contudo, o plano de reestruturação pode prever a venda de unidades menos estratégicas, o que pode gerar demissões em áreas específicas.
O banco foi o emissor dos green bonds e o contraparte do contrato de swap que desencadeou a exigência de garantias adicionais. Agora, o Deutsche Bank figura entre os maiores credores e acompanha de perto o plano de pagamento proposto pela Ambipar.
A sequência de eventos – queda dos green bonds, acionamento do swap, exigência de garantias e a saída do diretor financeiro – gerou um pânico entre investidores. A falta de transparência sobre a extensão da dívida agravou ainda mais a desconfiança, impulsionando a venda massiva de ações.
Primeiro, crescimento por aquisições deve ser acompanhado de forte controle de caixa e avaliação de risco. Segundo, contratos financeiros complexos como swaps precisam de supervisão independente. Por fim, governança robusta – com comitês de auditoria atuantes – reduz a probabilidade de irregularidades que possam culminar em crises de crédito.
Embora a empresa não tenha divulgado oficialmente o montante exato, especialistas do mercado estimam a dívida total em torno de R$ 10,7 bilhões, com riscos de rombo de até R$ 10 bilhões caso as garantias exigidas não sejam atendidas.
Escrito por Aliny Fernandes
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